segunda-feira, 23 de junho de 2008

HENRI DE LUBAC (1896-1991)

Henri de Lubac é considerado um dos principais representantes do pensamento religioso contemporâneo. Seu campo de preocupação e estudo vai desde os padres da Igreja à teologia medieval e ao ateísmo contemporâneo. Especializado em temas da Igreja, é fundador com Daniélou da coleção de textos cristãos “Sources chrétiennes”. Em 1967, recebeu o “Grande Prix” católico de literatura, dando a conhecer ao grande público a importância deste fundador de uma teologia aberta, em diálogo permanente e positivo com as diversas correntes do pensamento moderno.

Nascido em Cambrai (França), em 1896, entrou na Companhia de Jesus para atuar muito cedo como professor de Teologia Fundamental e História das Religiões na Universidade Católica de Lyon e na faculdade dos jesuítas de Fourvière. Suas qualidades de escritor, sua grande erudição e a agudeza de seu pensamento cedo o levaram ao primeiro plano da investigação teológica francesa. Iniciou sua produção com o ensaio Catolicismo, sobre os aspectos sociais do dogma. Fruto de seu estudo da história da teologia patrística e medieval é a criação de “Sources chrétiennes”, coleção de textos da literatura cristã. A partir de 1950, apareceram seus estudos sobre patrística e teologia medieval, História e espírito, que reabilita Orígenes e põe em destaque o que significou sua doutrina no pensamento da Igreja. A partir de 1959, apareceram os quatro grossos volumes de Exegese medieval.

Henri de Lubac foi membro da comissão internacional de teólogos (1969), e advogou pelo diálogo com as religiões não cristãs e com os não crentes.

Como todos os grandes teólogos da época, Henri de Lubac foi objeto, durante algum tempo, de crítica e suspeita por seu livro O sobrenatural. Neste livro denuncia a noção escolástica de “natureza pura” e desenvolve a idéia de uma continuidade da natureza e da graça no ser.

Outra das grandes incursões de Lubac foi o pensamento moderno em estudos sobre Proudhon, Blondel, o budismo japonês e temas relacionados com o ateísmo. Mas sem dúvida o trabalho mais importante é dar a conhecer e reabilitar a obra de Teilhard de Chardin, e seu apoio e participação no Concílio Vaticano II. Seu humanismo é concebido e expresso numa perspectiva cristã e transcendente: “o humanismo exclusivo é um humanismo inumano”, dirá. Seu comentário à constituição conciliar sobre a divina revelação — Deus se lê na história (1974) — é um exemplo deste humanismo transcendente.

Foi um grande renovador da teologia católica por sua imersão nos Padres da Igreja. Em 1983 foi feito cardeal. Entre suas muitas obras, cabe destacar O drama do humanismo ateu (1944), Meditação sobre a Igreja (1953), Exegese medieval (1959-1964) e A revelação divina (1983).

Henri de Lubac faleceu em 1991.

PENSAMENTOS DE HENRI DE LUBAC

"A Igreja não só é a primeira entre as obras do Espírito santificador, mas também compreende, condiciona e absorve todas as outras. Todo o processo da salvação se realiza nela. Para dizer a verdade, identifica-se com ela. Mais ainda: o mistério da Igreja é um resumo de todo o Mistério. É por excelência nosso próprio mistério! Abraça-nos por completo. Rodeia-nos por todos os lados, já que Deus nos vê e nos ama em sua Igreja, já que ele nos quer nela e nela é onde nós o encontramos e nela é também onde nós aderimos a ele e onde ele nos faz felizes".

"Se vivemos na Igreja, temos de combater as lutas da Igreja de hoje. Devemos dar a adesão do nosso entendimento à doutrina da Igreja tal como hoje se encontra elaborada. Ainda supondo que fosse lícito, seria uma grande ilusão acreditar que se poderia reter em seu exato teor e em toda a sua fecundidade a fé de uma época anterior, desprezando o que desde então se foi fazendo mais explícito. O próprio erro e a rebelião, por perfeitamente que tenham sido vencidos, impõem em certa medida um novo estilo e outra ênfase à existência do homem fiel como à expressão da verdade".

"A fé da Igreja... a fé que o Senhor lhe concedeu, que vem a ser nela uma força ardorosa que a fundamenta e que a sustenta... a fé que nós não podemos professar se não nos associarmos a toda a Igreja e da qual somente podemos participar numa medida muito pequena. Era aquela fé perfeita e inalterável, aquela fé sempre plena, sempre igual e sempre serena, aquela fé perseverante, inamovível como a cruz de Cristo, que não é sacudida por nenhum escândalo, que nunca duvida nem vacila, que nunca está sonolenta; aquela fé viva e vivificante, que frutifica no mundo inteiro, na qual se acende e se insere a fé de cada um dos indivíduos, que a nutre a reconforta, até o ponto que quando alguém de nós diz: “Eu creio em Deus”, sempre fala na Igreja e em dependência da Igreja.

"A confissão de fé no Símbolo (o Credo) se pronuncia sempre como que em nome de toda a Igreja. Isto é o que faz com que ainda que aquele que não tem senão uma fé informe e ainda que esteja desprovido das disposições (ideais), possa, contudo, dizer com toda a verdade que ele crê. Pode fazê-lo pelo fato de pertencer à Igreja, que lhe permite falar in persona Ecclesiae (na pessoa da Igreja); enquanto que, ao contrário, quem voluntariamente se separa da Igreja, não tem uma fé válida".

De igual modo, nossa predestinação em Cristo é a predestinação na Igreja. São Paulo nunca pensou em tal predestinação a não ser nesta perspectiva total. Jesus Cristo nos ama a cada um; e a cada um nos diz como a Moisés: “Conheci-te pelo nome”. Porém não nos ama separadamente. Ele nos ama em sua Igreja, pela qual derramou seu sangue. Por isso nosso destino pessoal não pode se realizar a não ser na salvação comum da Igreja, desta Mãe da unidade".

"A Igreja não é Deus, mas “a Igreja de Deus”. Ela é sua Esposa inseparável, que o serve na fé e na justiça... a Casa de Deus onde ele nos recebe para perdoar os nossos pecados. Esta Igreja, que é a coluna da verdade, é onde nós cremos retamente em Deus e onde o glorificamos".

"Ela (a Igreja) é, com efeito, o Lugar escolhido pelo Senhor para que nela seja invocado o seu nome. Ela é o Templo no qual se adora a Trindade e o santuário imutável fora do qual, salvo a desculpa da ignorância invencível, ninguém pode esperar a salvação... Ela é o corpo das três Pessoas. Ela é também aquela Casa preparada no alto dos montes, Casa anunciada pelos profetas, para onde haverão de confluir um dia todas nações para viver unidas nela sob a Lei do único Senhor. Ela é a câmara do tesouro, onde os Apóstolos depositaram a Verdade, que é o Cristo. Ela é a única Sala onde o Pai de família celebra os desposórios de seu Filho. Como também nela é que nós recebemos o perdão e por ela temos acesso à Vida e a todos os dons do Espírito. Não podemos crer nela como cremos no Autor da nossa salvação, porém cremos que ela é a Mãe que nos traz a regeneração".

"Com efeito, por uma parte, à série de erros e desvios que apareceram ao longo dos séculos passados, que deram origem a tantos cismas, que provocaram tantas discussões, conflitos e desordens e que ainda continuam produzindo entre nós seus frutos, vão juntando-se outros, mais sutis, que às vezes minam a consciência católica mesmo naqueles que de modo algum sentem a tentação do cisma ou da heresia formal".

"Em Jesus Cristo, que era a finalidade, a antiga Lei encontrou precedentemente a sua unidade. Século após século, tudo nessa Lei convergia para Ele. É Ele que, da totalidade das Escrituras, formava já a única Palavra de Deus.

"Nele, os “verba multa” (as muitas palavras) dos escritores bíblicos tornam-se para sempre “Verbum unum”(Palavra única). Sem Ele, ao invés, o laço se dissolve: de novo a palavra de Deus se reduz a fragmentos de “palavras humanas; palavras múltiplas, não somente numerosas, mas múltiplas por essência e sem unidade possível, porque, como constata Hugo de São Vítor, “Muitas são as palavras do homem, porque o coração do homem não é uno".

"Ei-lo agora, total, único, na sua unidade visível. Verbo abreviado, Verbo “concentrado”, não somente neste primeiro sentido que Ele, que é um si mesmo imenso e incompreensível, que é Aquele que é infinito no seio do Pai, se comprime no seio da Virgem ou se reduz às proporções de um menino na gruta de Belém, como São Bernardo e seus filhos gostavam de falar, como repetia M. Olier num hino para o Ofício da vida interior de Maria, e, ainda há pouco, o padre Teihard de Chardin. Mas, [Verbo concentrado] também e ao mesmo tempo no sentido que o conteúdo múltiplo das Escrituras, espalhado ao longo dos séculos de expectativa vem todo inteiro comprimir-se para se cumprir, isto é unificar-se, completar-se, iluminar-se e transcender-se Nele".

"Deus pronuncia uma só palavra, não só em si mesmo, na sua eternidade sem vicissitudes, no ato imóvel com o qual gera o Verbo, como Santo agostinho recordava; mas também, como ensinava já Santo Ambrósio, no tempo e entre os homens, no ato com o qual ele envia o seu Verbo para habitar a nossa terra. “Semel locutus est Deus, quando locutus in Filio est” (Deus pronunciou uma só palavra, quando falou no seu Filho): porque é Ele que dá o sentido a todas as palavras que o anunciavam, tudo se explica Nele e somente Nele: “Et audita sunt etiam illa quae ante audita non erant ab iis quibus locutus fuerat per prophetas” (E agora são compreendidas todas aquelas palavras que não foram entendidas antes por aqueles aos quais ele tinha falado por meio dos profetas)".

"A Igreja católica é aquele estandarte erguido em meio às nações, como se exprime o Concílio Vaticano I, tomando as mesmas palavras do profeta Isaías (cf. 49,22), para servir a todos de sinal de reunião, a ela convidando todos os que ainda não têm fé, e assegurando a seus próprios filhos que a fé que eles professam apóia-se sobre o mais firme fundamento.

"A Igreja é aquela montanha que se faz visível desde longe a todos os olhares, aquela cidade resplandecente, aquela luz colocada sobre o candelabro para iluminar toda a casa. Ela é aquele edifício de cedro e de cipreste incorruptível, cuja solidez majestosa desafia os séculos e inspira confiança a nossas efêmeras individualidades. Ela é aquele milagre continuado que não cessa de anunciar aos homens a vinda do seu Salvador e mostrar-lhes com mil exemplos sua Força libertadora..."

"Pela profundidade e pela coesão da doutrina que propõe, por seu conhecimento experimental do homem, como pelos frutos que o Espírito não cessa de fazer florescer nela, a Igreja exerce sobre as almas retas uma atração que atesta, de idade em idade, tantas conversões paradoxais".

"Receptáculo a guardiã das Escrituras, a Igreja distribui sua luz, que é a única que da um sentido inteligível à nossa história. Deste modo, ela nos leva a Cristo por mil caminhos convergentes. É nela onde Deus se mostra aos olhos que vêem a sabedoria".

"A Igreja não só é a primeira entre as obras do Espírito santificador, mas também compreende, condiciona e absorve todas as outras. Todo o processo da salvação se realiza nela. Para dizer a verdade, identifica-se com ela. Mais ainda: o mistério da Igreja é um resumo de todo o Mistério. É por excelência nosso próprio mistério! Abraça-nos por completo. Rodeia-nos por todos os lados, já que Deus nos vê e nos ama em sua Igreja, já que ele nos quer nela e nela é onde nós o encontramos e nela é também onde nós aderimos a ele e onde ele nos faz felizes".

"Não muda em nada a substância da fé. Nunca se lhe acrescenta nada. Não se introduz nenhuma novidade O que faz é impedir, por meio de uma série de esclarecimentos e exatidões sucessivas, que a doutrina diminua ou pereça. Este progresso faz que, em virtude da própria vida que mantém, impeça que a doutrina se esgote. Prevê ou retifica seus desvios. Na verdade, contra os impulsos opostos entre si que mais ou menos estão sempre em ação, ele (o progresso da doutrina) consegue manter em sua plenitude, em sua integridade e em sua autenticidade a verdade que foi confiada à Igreja uma vez para sempre. Não se deve confundir, portanto, este progresso com uma revelação progressiva. Porém tenha-se em conta que ninguém pode opor-se ou ignorar sistematicamente este progresso sem corromper precisamente aquilo mesmo que pretendia conservar".

"Desde algum tempo vem-se falando muito da Igreja; muito mais que antes e, sobretudo, num sentido mais compreensível. Alguns acreditam inclusive que se fala dela um tanto demasiado e com demasiada desconsideração. E se perguntam se não seria melhor esforçar-se simplesmente – como fizeram tantas gerações – esforçar-se para viver nela. De tanto considerá-la a partir de fora para estudá-la, não se habituaria alguém no mais profundo de si mesmo a separar-se dela? Não se corre o perigo, se não de cortar, ao menos de afrouxar os laços íntimos, sem os quais não se pode ser verdadeiramente católico? Tantos venenos, tantos problemas sutis, com toda a agitação intelectual que supõem, serão por acaso compatíveis com aquela antiga simplicidade e com aquele espírito de obediência que caracterizaram sempre os filhos fiéis da Igreja?"

"A Igreja não é uma realidade deste mundo que se pode medir e analisar como se queira. Enquanto durar a presente condição, a Igreja não pode ser conhecida com toda perfeição, mas permanece oculta sob um véu. Pois a Igreja é um mistério de fé. Como os demais mistérios, também ela ultrapassa a capacidade e as forças de nossa inteligência. E mais ainda: pode-se afirmar que ela se torna para nós como o lugar onde no qual confluem todos os mistérios, Porém, o mistério exclui toda indagação curiosa. Deve-se crê-lo na obscuridade. Deve-se meditá-lo em silêncio".

"O homem da Igreja ama a beleza da casa de Deus. A Igreja roubou seu coração. É sua pátria espiritual. É sua mãe e seus irmãos. Nada que lhe diga respeito deixa-lhe indiferente ou afastado. Ele se radica em seu solo; forma-se à sua imagem, integra-se na sua experiência; sente-se rico das suas riquezas. Tem consciência de participar por meio dela, e apenas por meio dela da estabilidade de Deus. Dela aprende como viver e como morrer. Não a julga, mas se deixa julgar por ela. Aceita com júbilo todos os sacrifícios por sua unidade".

"O homem da Igreja ama o seu passado. Medita sobre sua história. Venera e explora sua tradição... Aceita o ensinamento do magistério como norma absoluta. Acredita simultaneamente que Deus nos revelou tudo, de uma vez por todas, no Filho e que, todavia, o pensamento divino adapta a cada época, na Igreja e mediante a Igreja, o entendimento do mistério de Cristo... E compreende, enfim, em qualquer circunstância, que não pode ser um membro ativo do corpo se não for antes de mais nada um membro submetido, dobrável e dócil à direção da cabeça".

"Seja, portanto, louvada essa grande Mãe, pelo mistério divino que nos comunica, introduzindo-nos nele através da dupla porta, constantemente aberta, da sua doutrina e da sua liturgia! Seja louvada pelo perdão que nos assegura! Seja louvada pelos focos de vida religiosa que suscita, que protege e cuja chama mantém viva! Seja louvada pelo universo exterior que nos desvela e em cuja exploração nos guia! Seja louvada pelo desejo e a esperança que cultiva em nós! E louvada seja inclusive por tudo aquilo que ela desmascara e dissipa nas nossas ilusões, para que a nossa adoração seja pura! Louvada seja essa grande Mãe!"

Um comentário:

igzfuriati disse...

Que Jesus Cristo,Nosso Senhor,abençoe com sua Sabedoria este trabalho!Obrigado pela disponibilidade.Igzfuriati